quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Afinal, quem tem medo da democracia no Brasil?





Antes de responder a esta pergunta, devemos prestar atenção em tudo o que está ocorrendo no Brasil há exato 12 anos, o que realmente mudou neste país, tenhamos a certeza de olharmos com um microscópio, pois somente assim não nos deixaremos enganar por pessoas que querem se perpetuar no poder.

Pois eu lamento informar, mas no Brasil não existe democracia. Porque não há separação dos poderes e não funciona o Estado de Direito. Para quem não sabe, "Estado de Direito" significa que nenhum indivíduo, presidente ou cidadão comum, está acima da lei.



Vou dar um pequeno exemplo: se um décimo do que foi publicado nos jornais brasileiros sobre o PT é verdade, o PT teria que ter sido dissolvido e o Lula teria que ter sido destituído do governo. O fato de o judiciário não ter agido faz com que toda a corrupção ocorrida neste governo tenha um impacto equivalente a histórias da carochinha publicadas em todos os jornais.

Outro exemplo: quem é que nunca ouviu que o Maluf roubou dinheiro público? Quantas vezes isso foi publicado nos jornais da Banânia? Tudo isso não gerou nenhum resultado prático: o Maluf é eleito deputado e goza de imunidade parlamentar. Mais uma demonstração de que nesse país não existe democracia.

Tudo o que foi publicado sobre o Maluf perde o efeito: a lei não age.

A democracia brasileira só funcionaria se todos os brasileiros fossem honestos. Aí sim, por uma questão ética ninguém infringiria as leis. É um pouco como o comunismo: só funcionaria se o mundo fosse composto de anjos.

Só para ilustrar melhor, vamos supor que o presidente seja um ser racional. Imaginem que ele considera suas opções racionalmente, considerando os riscos e benefícios de cada uma. Notem que eu não estou incluindo moral ou ética nesta equação. Pois bem: imaginem que ele tem como beneficiar seu filho, um incompetente, mexendo os pauzinhos para ele receber dinheiro por algo que não fez. Sendo racional ele vai pesar os riscos e os benefícios de suas ações. O risco é ser preso, perder o mandato, ter seus direitos políticos cassados por tráfico de influência, ser deportado do país. Os benefícios?

Embolsar uma bolada de alguns milhões.

Como ser racional que é, o nosso (hipotético?) presidente vai calcular a probabilidade de ser penalizado. No Brasil de hoje? Aproximadamente 1 em 1000. Para isso ele tem até um plano de fuga: sua mulher tem cidadania italiana. Os benefícios são certeiros. Obviamente um bom negócio. Não há dúvida sobre qual a opção que ele vai seguir, não é mesmo?

Mais então o que você acha? Temos ou não temos a tão falada democracia no Brasil?

*Pois há uma imensa disputa ideológica e política se dá em torno da democracia, lhe pergunto: quem é democrático e quem não é? Uma disputa para se apropriar do termo, com a pretensão de que quem apareça como democrático, será automaticamente hegemônico.

Ocorre que tudo depende do conceito predominante de democracia.

Quem poderia dizer que as oligarquias familiares, proprietárias monopolistas dos meios de comunicação tradicionais no Brasil, apareçam como as mais defensoras da democracia, supostamente ameaçada pelo Estado que promove o maior processo de democratização na sociedade brasileira, com o apoio maçico da grande maioria da população, em consultas eleitorais amplas e abertas, com a participação majoritária da população?

Isso ocorre porque falamos de coisas distintas quando falamos de democracia. A concepção dominante, de que se valem aqueles órgãos e os partidos da oposição, remete à concepção liberal de democracia. Esta nasceu fundada nos direitos dos indivíduos, contra o Estado, considerado a maior ameaça à liberdade e à democracia.

É uma concepção fundada nos indivíduos, considerados a única realidade efetiva nas sociedades. Margareth Thatcher chegou a afirmar que: “Não há mais sociedade, só indivíduos”- utopia maior do liberalismo. É em torno dos direitos individuais que se estruturaria a sociedade.

Numa sociedade como a norteamericana, entre os direitos inalienáveis expressos na Constituição, está o direito do porte de armas, para que os indivíduos se defendam do Estado. (Não importa se as armas terminam nas mãos de crianças, que matam os colegas na escola ou o seu irmãozinho.) De tal forma os direitos individuais se sobrepõem aos direitos coletivos, que Obama não conseguiu, mesmo esgrimindo o massacre de crianças naquela escola dos EUA, limitar esse direito inalienável que os norteamericanos se reservam.

Segundo os preceitos liberais, se há separação de poderes, se há eleições periódicas, se há pluralidade de partidos, se há imprensa livre (atenção: para eles imprensa livre quer dizer imprensa privada), então haveria democracia. O liberalismo utiliza critérios institucionais, políticos, formais, para definir democracia. O próprio Brasil foi, durante muito tempo, o país mais desigual do mundo, porém passou a ser considerado democrático, quando passou a respeitar aqueles cânones, não importando que fosse uma ditadura econômica, social e cultural.

Hoje, quando o Brasil passa por um processo inédito de democratização social, as oligarquias se sentem ameaçadas. Já não controlam o governo nacional, perdem sistematicamente as eleições em nível nacional, sentem que camadas sociais que eram sempre postergadas por eles veem reconhecidos seus direitos e reagem de forma violenta.

Para que se torne efetivamente uma democracia, o Brasil precisa passar por um processo de democratização econômica, política e cultural. Precisa democratizar a economia, quebrando a hegemonia do capital especulativo, promovendo o predomínio dos investimentos produtivos, que gerem bens e empregos. Precisa promover amplamente a pequena e a média produção no campo, aquela que gera empregos e produz alimentos para o mercado interno.

Precisa democratizar as estruturas de representação política, promovendo o financiamento público das campanhas eleitorais, para que os parlamentos representam efetivamente a população, sem a intermediação falseadora do dinheiro.

Precisa democratizar o Judiciário, para que seja um órgão eleito e controlado pela cidadania e não pelas oligarquias do poder e da riqueza.

Precisa democratizar os processo de formação da opinião pública, quebrando o monopólio privado das poucas famílias que dominam de forma monopolista os meios de comunicação. Não se trata de que se impeça alguém de falar mas, ao contrário, que se permita que todos falem, pela multiplicação e diversificação dos distintos meios de comunicação.

A democracia é a maior ameaça ao poder das oligarquias tradicionais. Por isso reagem de maneira tão irada aos processos de democratização em curso na sociedade brasileira.

Por: Emir Sader (*)


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